sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Pandora



Havia esse garoto, e desde o dia em que me lembro de ter prestado atenção nele que as pessoas vinham até mim me dizer coisas das quais eu não estava de fato interessada. A maioria dessas coisas? Sim, eram ruins.
Me disseram pra não confiar nele, me disseram pra correr pra bem longe, me disseram pra não ligar, me contaram o que ele fazia com as pessoas, me mostraram as marcas de seus sofrimentos, me relataram as interrogações que ele exalava sobre sua personalidade, sobre um mistério que ninguém sabia qual era, me contaram coisas sobre traição, confiança, mentiras, verdades, perfeições e imperfeições...
Mas o que nenhuma dessas pessoas sabia - e não seria eu que iria contar - é que eu sempre fui uma criança curiosa, que quando pequena, se me mostrassem uma caixa de monstros, eu dava um jeito de abrir só pra ver como era! Sim, eu era uma pequena Pandora, meu irmão assim me chamava desde os meus cinco anos, na falta de um nome melhor pra descrever a irmã pequena de cabelos desarrumados e olhos pretos grandes e curiosos; calada na frente dos estranhos, mas um monstrinho correndo atrás do ninho da cobra quando sozinha.
Pois essa menina, de certa forma ainda vive em mim, então eu fui lá ver que tais monstros eram esses que habitavam aquele menino de sorriso bonito e papo ensaiado. Engraçado foi como os monstros dele conversaram com os meus; não tenho medo de mudar de opinião com o passar do tempo, mas o tempo passou e eu ainda afirmo que nossos monstros eram da mesma espécie!
Então eu falei pra ele que todos o achavam maravilhoso, e enxergavam seus monstros como grandiosos cavalos alados, e falei que quem não os visse como cavalos alados ou como uma fênix pairando num fim de tarde, não era digno de estar perto dele, e foi assim que o menino aprendeu a conviver com seus monstros, e melhor! Tentar de fato transformar imperfeição em beleza.
Eu também, não poderia ficar imune, já que acabei me envolvendo na história do garoto; e vejam só, logo eu...acostumada a querer abrir a caixa de Pandora de todo mundo, tive que abrir a minha pra ele!
Buscar os monstros dos outros me ajudou a perceber que todo mundo tinha monstros como os meus, mas os meus...eu escondia! Mostrava todos os meus cadeados dourados, minhas fechaduras, cofres com inimagináveis combinações numéricas e feitiços que faziam todo mundo pensar que eu era de fato louca; e até exibia algumas cobras, escorpiões, e um pequeno dragão...mas os meus monstros mais frágeis, eu escondia. Eles estavam todos doentes por falta de exposição ao Sol.
Treinei os dragões do menino, e ele domou meus leões, mas não se apaga o instinto, só se consegue disfarçar. Eu sabia que ele ia fazer o que me disseram, só iria demorar mais, porque de certa forma - pelo menos por enquanto - ele precisava de mim. E quando não precisou mais, ele de fato me abandonou, e eu voltei a usar cadeados...então ele voltava, e eu mostrava que eles não estavam de fato trancados.
Lidar com monstros é fácil, mas com o coração das pessoas é impossível...então eu resolvi me preparar pra abandonar o menino também. E assim o fiz...depois voltei, não sei porque. Na verdade sei! Mas não digo, porque ainda sou aquela menina teimosa.
O fato é que todo dia quando o Sol nasce eu arrumo as minhas malas, e toda noite quando ele chega eu desfaço elas, ali meio que escondido, e destranco o cadeado.

Kamilatavares.

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