terça-feira, 20 de março de 2018

Ray.

Talvez seja simples a razão pela qual eu o veja como um ser tão complexo. Ou talvez tudo que eu saiba sobre ele seja parte de uma ideia completamente equivocada, mas a verdade (ou pelo menos o que eu julgo ser) é que por mais que ele tenha dividido bastante coisa sobre sua vida nas poucas vezes em que nos vimos pessoalmente, eu o enxergo como um ser completamente misterioso.
Nunca ninguém teve tantas ideias erradas sobre mim - isso é fato - e ao mesmo tempo em que não se importa, tem certo cuidado em saber se eu estou bem e segura...só que mais uma vez, não sei muito bem o que pensar sobre isso. Ele mantém os "sentimentos" num espectro entre a ironia e a dúvida, de modo que nunca se sabe o que realmente acontece ali. Eu - por minha vez - acabei colocando o pé atrás em demonstrar os meus, e ele - igualmente de forma irônica - reclama disso e alega que o meu coração só serve pra bombear sangue...e bombeia mais e mais rápido cada vez que ele sorri.
Não saberia escrever algo seguramente biográfico sobre ele por não conseguir ler quem ele é da mesma forma que eu leio com tanta facilidade as outras pessoas ao meu redor, mas eis o pouco que sei, e que pra mim é o que realmente importa pra ser bem sincera.
Ele pega no sono com muita facilidade - ou finge muito bem, isso eu mais uma vez não vou saber responder com certeza - e dorme muitas vezes enquanto eu estou no meio da frase. Mas eu não ligo, porque sei que falo muito e é bem capaz que eu seja de fato tão entediante quanto eu acredito ser.
Quando o sono ainda é leve, ele ronca. Mas eu não ligo, porque não é daqueles roncos super altos que dão medo, e pra quem só dorme ouvindo música e com o barulho do ventilador ligado, um ronquinho é quase um plus.
Quando o sono fica pesado, ele conversa, tem espasmos, me abraça forte, me beija, me empurra, dá risada... Mas eu não ligo. Pra ser sincera eu até gosto, e dessa vez não vou saber explicar porque. Fico devendo uma.
Ele não gosta de ouvir música durante as refeições, o que eu achei bem estranho pra ser sincera. Mas depois de poucos minutos, pensando sobre isso, concluí que é algo de fato admirável, porque mostra que ele não tem medo de enfrentar possíveis silêncios constrangedores. E quem trata comida com um respeito desses merece um troféu, convenhamos.
Há uns anos eu escrevi um texto que falava justamente sobre a minha busca eterna por alguém que não tivesse medo de compartilhar silêncios e não sentir o constrangimento deles, e sim apreciar que é um bom silêncio é algo raro de se dividir com alguém que o entenda. E lá estava eu - completamente falante - contemplando o silêncio dele - que fala bastante também.
Ele pode ser sério e autoritário em certas ocasiões, e se mostrar extremamente doce e carinhoso em outras...e confesso que a segunda é a melhor parte, mas de certa forma uma não convive sem a outra.
Eu não sei quantas pessoas ele amou na vida, quantas já viu partir, quantas vezes sorriu daquele jeito que faz meus olhos brilharem ou quantas noites passou chorando. Não sei quais crimes e pecados ele cometeu, ou quantas vezes ele já foi bom e salvou o dia de alguém. Não faço ideia de quantas cicatrizes ele abriga ou quais são os seus maiores sonhos. Talvez ele tenha me contado muito do que eu não sei, ou talvez tudo seja um grande teatro, e é isso que me intriga e me encanta.
Só sei que ele odiou todas as vezes que eu o acordei e todos os cigarros que fumei na frente dele, mas ele fingiu não ligar, e eu achei uma graça.
Só sei que ele sumiu mais de um mês e cada dia que passava eu sentia mais saudade. E saudade é um sentimento bem grande pra quem tem um coração que só serve pra bombear sangue.
Só sei que andei olhando vários textos antigos que já escrevi e encontrei ele em vários deles...só não sabia que ele existia mesmo.

E por enquanto é isso, eu acho.

Talvez um dia ele desapareça ou me descarte - como disse ele que fez com tantas outras - e essa seja só uma história sobre o rapaz da voz bonita e de um sorriso que abraça. Ou talvez ele continue roncando do meu lado. O maravilhoso é que nunca se sabe.