domingo, 26 de janeiro de 2014

Dear...


Para Ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=da-ELYFRFpc


Hoje quando me deitei aconteceu algo mágico, como se duas dimensões se misturassem em uma só criando um espaço paralelo entre dois lugares que só é possível existir quando duas pessoas pensam uma na outra ao mesmo tempo, no mesmo milésimo de segundo. Eu vi o teto se dissolver e ondas azuis e amarelas flutuarem pelo ar, como se eu estivesse presa em uma fotografia antiga, em um filme queimado que dançava no ar...e o piano me acalmava.

Olhei pro lado vazio da cama e você entrou cansado...me fez cócegas e me abraçou antes de se deitar e arrumou o travesseiro pra descansar olhando pra mim...passou a ponta dos dedos no meu rosto e depois de um longo suspiro me contou sobre o seu dia.

Sabe, eu gosto de ver o mundo através dos seus olhos...essa bola gigante de poluição e trânsito ao som do Radiohead e cheio de fumaça de cigarro e coisas suas jogadas por todos os cantos me faz entender porque você gosta de ver o meu mundo de filmes e tardes na praia tocando violão, rede e café quente...então você se lembra do frio e da cachoeira, do vinho e das paredes azuis e se acalma...e para pra ver o céu e sentir o vento no seu rosto...e foge de madrugada pra escutar o barulho das ondas, e se desliga do mundo como eu costumo fazer. Sabe, eu gosto de ver o que você aprendeu com os dias e escutar sua voz enquanto lê...e aprecio os seus silêncios.

Então você dormiu, e de tão leve se dissipou na minha frente...e aquela poeira amarela me emocionou de forma que eu chorei e sorri ao mesmo tempo. Desde então eu lhe conto tudo em silêncio enquanto ando pelas ruas...e tiro fotografias mentais pra te mandar, canto baixinho aquela música enquanto espero o ônibus e sorrio pra criança na rua que eu sei que você acharia bonita...desde então eu te levo para todos os lugares comigo nesse samba da solidão acompanhada - e não me importo com olhares porque tudo é nostalgia, tudo de belo vive nessa dimensão paralela, nesse espectro de vida que se criou ao meu redor, e o que o mundo vê são versões menores do que sinto, porque a plenitude é difícil de se entender.

E então eu durmo...

Kamilatavares.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

House of cards.


Ele pôs a mão na minha coxa. Não apertou, não moveu os dedos...só pousou a mão na minha coxa enquanto a outra segurava o volante e seus olhos atentos apontavam em todas as direções da avenida movimentada...só pousou a mão na minha coxa esquerda dizendo em silêncio que estava ali...e eu senti.

Não entendo nada de partículas, moléculas, átomos e essas coisas todas, mas senti a minha pele formigar sob a sua mão que - ali mesmo, imóvel - dividia faíscas e uma energia que eu nunca senti na vida, mas era algo magnético porque me fez querer ficar sentada naquele carro pra sempre.

Enquanto isso o meu rosto sem expressão olhava pela janela...fechei os olhos e senti o vento entrar em todos os meus poros...poluindo minhas bochechas rosadas do sol com a fumaça dos caminhões e confundindo meus ouvidos que não distinguiam mais o som do vento, do rádio ou do motor do carro...e minha mão voava feito uma pipa na janela...dançava como uma de suas bailarinas, leve...leve...leve... E naquele momento eu senti cada célula do meu corpo se agitar e palpitar por um minuto a mais das mãos dele em mim quando ele precisou trocar a marcha pra parar no posto de gasolina e pedir uma informação; então meu corpo momentaneamente se desligou daquele coma agradável e eu voltei pra realidade.

- Vá até o fim da avenida e faça o retorno, tem um posto bem na esquina, pergunte lá e eles vão saber lhe informar.
- Muito obrigada!
- Nada, senhor! - Disse o frentista.

A voz dele mudava de acordo com a situação...pelo menos era isso que ele achava, mas eu sempre escutava uma nota infantil em suas palavras...não aquela infantilidade imatura, irresponsável - mas uma infantilidade leve, divertida, descontraída...sem querer eu sorria sempre que ele falava com os outros com um ar de adulto que não me convencia...ele alisou meu joelho, as faíscas voltaram a iluminar tudo em mim e eu beijei seu ombro direito e dei uma mordidinha antes de voltar a contemplar o dia indo embora pela janela. Meu celular tocou, não atendi.

- O que foi, bebê? - Perguntou.
- Nada
- Tem certeza? - Insistiu.
- Tenho sim...o dia foi cansativo, só isso! Preciso de um banho.
- É verdade! Agora você sabe o que eu enfrento todo dia...desculpa ter que te levar pra trabalhar comigo, eu de fato não podia faltar...queria levar você pra passear mas foi meio que de última hora.
- Não tem problema - disse com honestidade - eu adorei os seus amigos, foi muito divertido! Só não estou acostumada ao clima.
- Tamo já chegando em casa, cê toma um banho gostoso e eu cuido de você, tá bom? Faço cafuné, dou beijo, abraço...cê vai se sentir melhor...
- Claro - disse sorrindo - é exatamente o que eu preciso!
- Entãããão tá bom! Agora escuta essa música!

Escutei a música e escutei ele cantando junto, feliz, satisfeito enquanto brincava com o meu joelhos e as pontas dos meus dedos...e eu olhava satisfeita as expressões que ele fazia enquanto dirigia...gosto de olhar ele dirigindo, no controle da situação...e a voz dele que acabara de perguntar se eu estava bem ainda ecoava...ele tem outra voz pra me perguntar as coisas, mais doce...quase cantada, quase derretendo pra fora dele...e eu gosto de ouvir. Ele também tem a voz de explicar as coisas...mais rápida, invasiva, alta o bastante pra ele defender suas teorias e suas preferências...e eu gosto de ouvir essa voz também, porque evidencia o problema de dicção que ele tem e eu acho tão bonito.

Durante os silêncios eu lhe dizia mil coisas, e acho que ele escutou todas elas de alguma forma...e me confessou algumas outras mil coisas também. Mas eu não me importava com a sua falta de amor em certas horas, porque a gente soltava faíscas e por maior que fosse o meu sofrimento ele me mantinha segura, ele me salvou de mim mesma e eu o salvei dele mesmo, porque sempre fomos os nossos piores inimigos...sempre fomos vilões de nós mesmos, mas com ele por perto eu soltava faíscas de felicidade, sorrisos de boas vindas, lágrimas de amor e suspiros de tranquilidade.

Eu disse em silêncio que o amava, e que por isso iria machucá-lo - ele entendeu.
Eu disse em silêncio que não o amava mais, e que por isso iria deixá-lo - ele entendeu.
Eu disse em silêncio que o amaria pra sempre, e que por isso iria esperar - ele entendeu.
Eu disse em silêncio que o amava mais não acreditava mais nele, e que por isso iria odiá-lo - ele entendeu.
Eu disse em silêncio que sempre iria acreditar nele, e que a gente ia ser feliz - ele entendeu.
Eu disse em silêncio que tudo daria errado, mas que no fim daria certo - ele entendeu.

Ele sempre me entendeu, não por entender tudo que eu dizia, mas por entender que eu sempre dizia alguma coisa...que essa alguma coisa sempre era diferente e que mais cedo ou mais tarde mudaria, mas eu continuaria lá porque eu nunca pretendi partir...ele sempre me entendeu e eu sempre o conheci. E meu mal é conhecer cada centímetro dele...ver a beleza que ele não via em sí...meu mal foi sempre contar tudo...meu mal foi deixar ele me entender...foi por ele ser entendida.

E o mal dele foi entrar sem saber se queria ficar ou sair, foi vender indecisão com o rótulo da certeza e mentir pra si, sabendo que eu o conhecia...não de hoje, não de ontem...de outras vidas.

Ele falava sobre filmes - pelo que me lembro - e gesticulava bastante...olhei bem o rosto dele e permaneci calada e sorrindo em concordância com tudo que ele dizia...observei suas linhas de expressão, seu cabelo milimetricamente bagunçado, seus olhos castanhos e seus ombros bem desenhados, até que ele parou de falar julgando ser aquele um assunto muito chato - discordei de imediato e pedi pra ele continuar. Naquelas horas eu brincava com o tempo enquanto alguma música suave tocava e eu via tudo se movendo devagar...e seu raciocínio se alongava por horas enquanto eu assistia ele todo articulado...e os seus olhos castanhos.

Eu não me lembro mais o cheiro que tinha, mas me lembro da fumaça do cigarro no escuro e todas as cores do dia, e todas as vozes, todos os toques e todas as brigas. Me lembro de todas as músicas e da chuva no meu rosto...do abraço desesperado, do sono...dos olhos castanhos e dos erros meus...me lembro da mão invisível puxando meu coração pra fora todos os dias e me arrancando lágrimas e pensamentos de vingança que nunca consegui concluir...me lembro das faíscas e da mão dele pousando em minha coxa...e não importa quanto tempo passe, eu me lembro.


Kamilatavares.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Ode ao amor

Hoje eu descobri que dói muito mais não amar ninguém do que amar e não ser amado de volta. Hoje eu descobri que se eu tivesse tatuado o seu nome na minha testa, por pior que as coisas tenham se tornado eu não me arrependeria, como não me arrependo das outras coisas menos drásticas porém tão loucas quanto.

Quando a gente se decepciona com alguém, fica desejando o coração vazio e gelado feito um iceberg...fica desejando a amargura de um mundo cinza...fica desejando uma vida inteira sem confiar em ninguém...uma vida de solidão! Pra substituir o que? O vazio de saber que o que você tinha de bom acabou? Será que é mesmo vantagem negar ao coração o direito de sofrer? Ora veja bem, o mundo nunca foi justo...e cada pessoa é um mundo...faça as contas! Encontrar o amor da vida é tarefa difícil, requer sacrifícios, paciência e algumas cicatrizes acabam por aparecer normalmente. Pois eu prefiro os acidentes do caminho a ter que viver sem amor.

Terminar com alguém no final não é o único objetivo, não é o único prêmio! A gente acaba se esquecendo do que acontece no meio do caminho. Pois se não fosse por você eu não teria tantas músicas, não escreveria tantos textos e nem encontraria sentido naquele filme que me fez chorar tanto.

Lembre-se de dar uma volta na rua e você vai ver alguma coisa que lembra alguém que você gostou muito...ou ainda gosta! Um cheiro, um lugar, uma música, alguém com o mesmo problema de dicção, a cor do cabelo, dos olhos, o jeito de andar...lembre e tente não pensar nisso com amargura, tente lembrar com um sorriso e você vai ver que muito do que você é hoje é fruto de coisas que você aprendeu com as pessoas que amou; que elas foram importantíssimas no seu crescimento.

Sem amor - seja ele correspondido ou não - a vida ia passar como um rio...e você ficaria lá como uma pedra...então de que lhe serve a amargura?

Eu menti pra lhe afastar e sofri...e aconteceu muita coisa. Mas eu nunca vou escutar uma música do mesmo jeito...eu nunca vou deixar de prestar atenção na risada das pessoas nem no jeito com que elas pegam no cabelo; eu nunca vou esquecer como é se sentir um imã naquele abraço inesperado ou do meu cabelo bagunçado...eu nunca vou esquecer do borboletário no estômago e o coração acelerado...nunca vou esquecer como é imaginar os nossos filhos e como é me deitar toda noite sabendo que eu vou ter o mesmo sonho com cheiro de almoço feito por mim pra tirar o avental e te dar um abraço na hora que você chegasse do trabalho...porque eu nunca quero viver de amargura...porque é melhor sofrer do que viver sem amor.


Kamilatavares

sábado, 18 de janeiro de 2014

A little walk

Da janela do meu quarto
as paredes coloridas e o som da geração do energético exibindo suas linhas fluorescentes, e as fotos, e a praia, e o sol, e os pés, e os biquinis, e a falta de protetor solar e de juízo. 

Nas calçadas as garrafas de cervejas de noites passadas, os mendigos e as moças com seus saltos na mão e suas cabeças baixas escondendo a maquiagem borrada, e a sujeira da ressaca.

Nos ouvidos os fones e alguma música tranquila que ative o slow motion da minha caminhada e me permita observar tudo ao redor, e chinelos confortáveis, cabelos soltos e um sorriso leve.

Na sombra da árvore um cachorro descansa...e me sorri de volta.


Kamilatavares.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Plataforma 17

Eu estava no carro e chovia...chegamos em casa e eu sentia que ele iria iniciar mais uma conversa pra justificar a distância - e assim o fez. Naquele dia ele me confessou que estava namorando...há meses! Naquele dia eu tive a primeira grande crise de choro na frente de alguém que eu havia acabado de perder...ele me consolou - jurei nunca mais escrever sobre ele, jurei nunca mais chorar na frente dele, jurei nunca mais chorar pelas minhas tragédias reais na frente de ninguém - e assim o fiz...ou quase.
Eu estava sentada na minha cama segurando o computador e processando a conversa que eu havia tido. Naquele dia ele me disse muitas coisas, inclusive que me amava...inclusive que queria ficar só...e eu que havia passado quase um ano chorando apenas com os meus filmes, ou ali meio que escondidinho antes de dormir, sem ninguém escutar - caí em prantos e tive a fraqueza de ligar pra minha melhor amiga, que ouviu os meus soluços e dividiu parte do desespero comigo.
Eu estava longe de casa, sozinha fazendo coisas banais...achei uma carta que não deveria ler - mas li. E essa foi a maior crise de choro da minha vida...e liguei pra um amigo que me fez jurar que eu nunca mais olharia na cara dele que tanto me fez sofrer e buscaria a minha paz...dois dias depois eu o vi - e estava na varanda quando começamos a conversar...não me lembro de muita coisa por causa do álcool...mas me senti naquele dia do carro, chorando por um amor que já morreu ou nem mesmo existiu e sendo consolada por quem causou o furacão.
Eu estava na varanda e ouvi ele dizer que tudo ia dar certo...eu estava na varanda e senti sua mão enxugar minhas lágrimas...eu estava na varanda e fiquei só, e na varanda eu prometi não chorar mais por ele.
Voltei pra casa escutando o silêncio do adeus que não foi dito e agradecendo pelos amigos que fiz no meio do caminho...esqueci de tirar todas as fotos...esqueci de (quase) todos os abraços de despedida, esqueci de escrever no diário de bordo, esqueci meu shampoo, minhas sandálias roxas, um prendedor de cabelo e outros tantos pedaços de mim.
Quando uma guerra acaba os rastros dela ficam pra trás...nunca é o fim de fato porque leva tempo pra reconstruir as cidades, refazer tudo, procurar as famílias que se perderam, enterrar os entes queridos e enxugar as lágrimas e as manchas de sangue que ficam nos que sobreviveram...e vivemos guerras internas contra nós mesmos...morremos e sobrevivemos, prometemos e descumprimos, choramos e nos reconstruímos ao longo dos dias...nos escondemos em trincheiras e depois saímos em desfile cantando vitória, mas na vida não se vence, só se vive...porque vencer significa a derrota de alguém, mas na vida sozinho ninguém comemora...e naquele dia eu assinei o meu tratado de paz!


Kamilatavares.