domingo, 27 de maio de 2012

Das primaveras que não vivi.

Eu sempre acordava mais cedo que ele...nunca tivemos sono agitado então acordava sempre na mesma posição, encolhida com as mãos entre as coxas, e ele sempre descoberto, abraçado a mim, que fazia seu peito de aconchego pra dormir. Então ficava ali olhando aquele sono preguiçoso por uns cinco minutos antes de me levantar. Ele dormia do lado esquerdo da cama, encostado na parede, a janela sempre deixava escapar um raio de sol que o incomodava pela manhã, eu gostava de ver as expressões que ele fazia tentando manter o sono enquanto o sol avisava que já era dia; então me levantava e cobria seus olhos.
Uvas e iogurte pra mim, ovos com bacon pra ele. E flores amarelas em cima da mesa, com aquele cheiro de café quente que ele adorava...nunca gostei de café, mas tive que aprender a fazer, e nessas horas lembrava da minha mãe que toda tarde espalhava cheiro de café pela casa. Café mantém o casamento acordado, já dizia o meu pai. O meu, por sua vez, era mantido pelo café e os Ovos com bacon. Desde que me mudei acho que ao passo em que fui emagrecendo, ele foi engordando, mas não de forma exagerada, só aquelas gordurinhas boas de se pegar pra fazer massagem numa tarde preguiçosa qualquer.
Toda manhã eu me desafiava a fazer o mínimo de barulho possível, gostava de levar o café lá no quarto pra aproveitar o resto da preguiça na cama, preguiça era o nosso sobrenome nos finais de semana, pra compensar a correria dos outros dias.
Ele sempre me dava um beijo de bom dia, bagunçava os cabelos, brincava com a comida e depois ia lavar a louça enquanto eu tomava banho, depois era um revesamento entre rede e violão, sofá e video game.
Como todo casal tem briga, todo dia era uma briga entre os meus beatles e o pink floyd dele, entre ir comer fora ou testar uma receita nova do meu caderninho, entre qual álbum de qual banda era melhor, e uma briga maior ainda pra escolher o filme da noite. Então ele pegava umas cervejas e a gente escolhia tudo no ímpar ou par, pra ser mais democrático.
Eu pintei as paredes da sala com uns desenhos e referências musicais, ele desenhou algumas das minhas tatuagens, eu escolho todo dia as roupas dele, ele decorou o nosso quarto...e assistimos, todos os domingos, a rodada do brasileirão; claro que não torcemos pelo mesmo time, e acho que é por isso que eu o amo tanto, pelo fato de ter com quem discutir futebol. Sempre deixo alguma coisa pra beliscar ao alcance das mãos, e cada um tem a sua vez de ir buscar a cerveja, que geralmente é na hora do gol. Porque a cerveja sempre acaba na hora do gol? Nessas horas me bate a vontade de acender um cigarro, mas ele me fez parar, ele me fez emagrecer, ele me fez usar mais vestido e salto alto, pintar as unhas toda semana, deixar o cabelo crescer, pintar, me tatuar, ele me fez aprender a amar, me fez saber o que é ter um abraço seguro, ele me fez ter um beijo preferido que é só o dele e o de mais ninguém. Ele me fez largar o rancor e voltar a cozinhar, gostar de ficar em casa e ter alguém pra cuidar. Eu fiz ele conseguir passar mais de uma semana com alguém, fiz ele aprender a gostar de imperfeição, parar de procurar o melhor do melhor de tudo e observar os pequenos defeitinhos que deixam qualquer coisa única, ensinei que ele não precisa dobrar todos os lençóis da cama se eu sempre vou pular lá e bagunçar tudo daquele jeito que ele odeia.
Então depois da tensão do jogo, a casa se enchia de cheiro de incenso, era o jeito que ele tinha pra me pedir uma massagem, seguida de um cochilo preguiçoso pra guardar as energias pra sair com os amigos pela noite.
Então eu tomava meu banho antes, pra que quando ele terminasse o dele eu já estivesse devidamente arrumada, terminando a maquiagem. Assim ele nunca me esperava, logo, não ficava impaciente. Ele sempre saia do banho cantando e dançando qualquer música boba que me arrancasse boas risadas. O sorriso dele é das coisas mais bonitas de se ver quando brinca assim, feito criança. Então eu escolhia uma roupa bem bonita, e ele decidia que perfume eu ia usar, e a cor do meu batom.
Nossos amigos, OS MELHORES! Diversão na certa pra todos os finais de semana, e todos falavam sobre como a nossa sintonia era perfeita, entre uma reclamação minha de que ele não sabe lidar com a derrota do time dele, e um olhar de quem ganha todas as discussões que ele me lançava nessas horas.
Ele era um péssimo cozinheiro e eu uma péssima motorista, por isso um não vivia sem o outro. Não tinha essa de amor de contos de fadas. Era realidade, arroto na mesa, barba mal feita, TPM, filme no final de uma noite e muita louça pra lavar no outro dia. Era sempre ensolarado e frio, como a gente gosta.
E assim foram os dias de glória das primaveras que eu nunca vivi, poéticos.


Kamilatavares.

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