segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Atestado.

Escrevo esta carta não para justificar as minhas faltas, até porque muitas delas são injustificáveis e não consigo enganar alguém tão inteligente quanto a senhora, mas senti certa necessidade de mostrar que não existe atestado médico para a maioria dos problemas que nos trancam em nossos quartos e ameaçam nos prender pelo resto da vida...ou pior, que ameaçam acabar com o que resta dela.
Ontem eu assisti um filme bom...mesmo com aquela crise horrorosa de asma...o filme era bom mesmo! Se não fosse por ele esta carta seria outra, e amanhã provavelmente todos ouviriam algo sobre a menina que tentou se matar, ou sobre a menina que conseguiu. E você teria que dispensar a classe e dirigir até uma agência funerária qualquer enquanto meus amigos perderiam tempo procurando algum escrito não revelado no meu caderno ou no meu computador. Mas talvez a vida deva ser vivida...
Eu poderia culpar o trânsito, a nova virose (que de fato me atacou e me rendeu uns bons dias de cama) ou o câncer dos meus pais (sim, os dois tem câncer. Sim, faz tempo que eles descobriram. Sim, eles estão bem. Sim, eles estão se tratando. Não, eu ainda não me acostumei com isso. Sim, eu sei que é difícil...obrigada pelo apoio. Sim, eu sei que posso contar com você, obrigada mesmo), mas a culpa é minha mesmo...o ser humano não tem estrutura pra aguentar todos os tropeços da vida, e em um deles eu acabei caindo aqui na minha cama com a porta do quarto trancada, uma infinidade de filmes e pouca ou quase nenhuma comida. Perdi alguns quilos e quase toda a imunidade que me restava, minhas unhas quebraram e meu cabelo cai aos montes, devo ter algo grave...esse tal de sofrimento! E não posso sair na rua porque alguma regra social me diz que fora de casa eu sou obrigada a sorrir.
Tentei cumprir seu cronograma duas ou três vezes, li os trabalhos, fiz uma boa apresentação...mas acabo por lhe desrespeitar quando a sua fala some na minha frente e toda a sala branca se torna uma tela de projeção dos meus devaneios.
Imagine que você encontrou a receita da sua felicidade, e tem certeza que é aquela porque a provou e foi como se todos os planetas tivessem se alinhado perfeitamente em torno do sorriso que se formou em seu rosto, e num piscar de olhos você se viu longe daquilo e engolida pelas obrigações da vida...você sabe onde ela está guardada, mas a prateleira é muito alta pra você alcançar. Pois é!
Minha felicidade não está aqui, entende? Eu sei aonde ela está e não posso ir lá buscar...não agora! E não sei lidar com isso por ser muito pequena pra essa vida tão grande! Foi nesse buraco que eu acabei caindo. E me tranquei no mundo dos meus filmes...eu podia explicar o que eu sinto pelos filmes...mas isso é outra história, a senhora não entenderia agora!
Por isso vim aqui atestar que a minha cabeça está muito cheia para ler aquele livro, e que eu preciso de algumas horas de meditação pra poder processar certas coisas, e preciso também que as pessoas entendam que eu não quero rir todos os dias, e que nem sempre eu vou querer comer, e que a minha saúde não é das melhores, e que eu também tenho fraquezas...sou covarde pra viver certas coisas, e mais covarde ainda pra olhar de frente pra morte...que eu já tentei acabar comigo aos poucos, que eu tenho medo de lutar por certas coisas...mas que eu vivo! Vou tentando! Sou corajosa pra outras tantas coisas...como escrever cartas! Subir em palcos...amar!
Não...não tenho medo de amar! Nunca tive! É algo meu, eu sei lidar com isso...tenho medo é dos outros, do amor que eles dizem que sentem por mim, medo do engano, medo de acreditar...entende? O problema não é o amor, é a falta de confiança! Por isso não espero que você confie ou acredite em mim, quero apenas que leia e entenda que uma dose de Coristina não vai aliviar a febre que eu sinto agora, que um Rivotril não vai adormecer os meus pensamentos e que um atestado médico de três dias não vai me fazer voltar ao convívio social curada.

Kamilatavares.

Nenhum comentário:

Postar um comentário