quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Amores (des)funcionais.

Existe todo esse mito acerca dos escritores e seus amores loucos, doentes, psicopatas, passionais, possessivos...e como eles despertam uma inspiração louca, que arde em nossos dedos que buscam qualquer pedaço de papel que seja pra colocar todo aquele fogo pra fora.
Em contraponto, a famosa sorte de um amor tranquilo...que é morno, calmo, manso. E o tédio que vem junto com ele, nos impedindo de escrever uma linha que seja.

Dizem que o poeta só é grande se sofrer, e eu discordava disso. Bem...discordava.

Tive amores calmos, relacionamentos duradouros e sem nenhuma inspiração. Fui feliz, mas é quase como se tal felicidade não contasse realmente. Meus escritos andavam mortos e eu me sentia o próprio clichê do protagonista sem graça de algum filme indie barato sobre qualquer escritor que passa por uma crise criativa e só escreve bosta.

As pessoas querem queimar, enlouquecer, quebrar as vidraças, atirar um coquetel molotov na casa do ex e gritar no meio da rua que ele foi um filho da puta! Pelo menos é o que os loucos querem, e são os loucos que me interessam, aqueles que ardem! É pra os apaixonados sofredores malditos que eu escrevo - e sempre escrevi - os românticos frustrados que querem uma vida pacata ao lado do grande amor da sua vida, mas que já sofreram o suficiente pra saber que isso é ilusão. E quem escreve uma vida perfeita esta tentando te enganar e roubar o seu dinheiro em plena praça central com essa ideia de que a plenitude no amor é a melhor coisa que existe.

Depois de um ano e alguns dias tentando viver um amor de propaganda de margarina sem sal, onde todos os dias eram manhãs de domingo felizes, porém sem profundidade alguma, eu me livrei dessa falsa ideia de calmaria e voltei ao meu antigo eu: Sozinha, cheia de planos que eu queria executar e com um mundo de possibilidades.

A vida com ele era cômoda, eu não precisava me esforçar com nada. Então a primeira medida era restaurar o meu direito de ir e vir sem dar satisfações pra ninguém. Precisava voltar a dirigir (e ficar boa nisso), organizar as minhas contas pra não esquecer de pagar nenhuma, fazer uma conta da netflix só pra mim, gerenciar meus emails sozinha, organizar minhas receitas, marcar de ver as amigas que eu não conseguia visitar sem ele anexado no meu braço feito um gêmeo siamês e tomar todas as cervejas que eu pudesse nesse intervalo.

Coloquei tudo em prática...e em menos de um mês eu conheci Ray.

Ele foi até o bar onde eu trabalho. De ressaca, jaqueta de couro, voando na moto, perfume de homem, voz grossa, atitude. Estava na cara dele escrito em neon que se eu não ficasse esperta o desgraçamento mental ia ser grande. Foram alguns dias se conversa antes do encontro ao vivo. Meia hora de conversa e ele perdeu a paciência, me pegou pela cintura e me beijou. Alguns minutos depois eu já estava sem capacete na garupa da moto indo em direção a casa dele.

Por ter vivido muitos amores ruins de viver e bons de escrever, eu já tinha uma previsão de como seria o roteiro...e confesso que a saudade de perder as rédeas era grande. Ele era o candidato perfeito. Todo esforço que ele fez pra me impressionar se transformou em gargalhadas descaradas da minha parte. No primeiro dia ele me jogou um romantismo barato que eu respondi dizendo que ele falava aquilo para todas. De prontidão ele me disse "olhe em volta...tem sinal de outra mulher aqui?".
Dei uma boa olhada pelo quarto dele...nada de brincos esquecidos ou bilhetes apaixonados. O cara era bom. Eu sabia que ele tinha outras mulheres, mas levou uns meses até ele começar a me confessar...sempre com medo que eu fosse largar dele. Fiz disso o meu trunfo! Conhecimento nessas horas é uma dádiva.

Nos primeiros encontros eu me segurei o quanto pude pra não ceder ao charme dele, de modo que isso o prendesse - e funcionou! Ele fez de tudo pra conseguir arrancar minha roupa; e quando o fez...aos poucos fomos revelando nosso lado mais doentio e romântico e louco e apaixonado.

Às vezes ele me mandava mensagens românticas, me dava chocolates, ia ao supermercado comigo, me chamava de amor, bebê, neném, meu bem, coisa linda...
Cozinhamos juntos, ele cuidou de mim quando briguei com minha irmã, eu cuidei das febres dele, dividimos segredos sobre nossas vidas, nossas famílias, nossos sonhos. Comemos uma pizza terrível de um delivery qualquer e tentamos assistir um filme uma vez...não deu certo.

Às vezes ele me batia, me estrangulava, dizia que era meu dono, me chamava de puta, cachorra, safada, perguntava se eu dei pra outros em sua ausência, levantou meu vestido em frente ao portão na rua deserta e me dominava de todas as formas possíveis. Claro que tudo isso só aconteceu com minha permissão e só na hora do sexo. Toda vez que ele era romântico na cama, eu dava uma gargalhada e deixava ele me dar um tapa.

O fato é que as duas coisas se misturavam numa dança entre loucura, romance, amor, putaria, cuidado, sumiço, raiva, violência e alegria. O plano dera certo: Nos apegamos.

Enquanto isso ele mantinha as outras, e algumas tantas ele dispensou. E isso me dava um tesão pelas palavras que eu voltei a escrever feito uma louca.

Escrevi cartas, bilhetes em guardanapos, cardápios antigos, nos meus cadernos de anotação. Ray era a musa inspiradora que eu esperei por anos.

Já tive amores que só serviam pra fuder e escrever. Ele foi o melhor deles.

Alguns mereceram bilhetes, outros algumas crônicas, ele merece livros.

Mas de alguma forma, mesmo sem perder totalmente a conexão, não vejo Ray há mais de um mês. Sempre uma desculpa: as provas, a filha, a gripe, a febre, a empresa, o tempo, o dinheiro...

Ainda tenho com ele um compromisso marcado de assistir ele comer outra garota. Talvez ele goste dela, talvez seja só mais uma passageira...não sei ainda, mas vou pedir um caderno e escrever o que vai acontecer por lá! Tenho certeza que vai ser a minha sentença de morte em um dos dias mais poéticos que a minha existência irá presenciar.

Temos várias coisas em aberto: Eu pedi pra ele uma coleira de presente, e prometi que faria uma lasanha e um bolo de prestígio pra ele. Temos um stand up pra assistir, ele combinou de ir no lançamento do meu cardápio novo. Mas eu ando impaciente...sei que oito meses se passaram e sinto que estou perto do fim. Eu tive outros dois como ele e sinto quando a coisa toda vai explodir.

Mas é ótimo...as palavras dançam pelos meus dedos sem o mínimo de esforço. Hoje já mudei de ideia sobre ele umas cinco vezes, acabei com a paciência de Paloma falando sobre isso, conversei sobre Bukowski com ele logo em seguida e já voltei a não querer mais nada...e ao mesmo tempo meu corpo grita de saudade. Perdi completamente o filtro que a Kamila de 17 anos tinha, aquela que não conseguia sequer descrever um beijo em seus textos.

Nesse um mês que ele sumiu eu visitei bares, li três livros, fiz um cardápio novo, fiquei bêbada várias vezes, Paloma me visitou e eu visitei Renata.

Não ligo pras outras mulheres dele, mas seu silêncio me causa um ciúmes louco. Me sinto uma mulher daquelas que enfeitam os filmes com cenas maravilhosas de escândalos de amor. Quero quebrar a moto dele, esfaquear suas putas e gritar ensanguentada na rua, ao mesmo tempo em que quero fazer uma sopa de carne com legumes e ir lá cuidar da dor de garganta dele...fazer um chá de mel com limão e gengibre.

Me sinto viva e à beira da morte. QUE LOUCURA! QUE MARAVILHA! QUE INFERNO!

Vai ser bom deixar ele...vou sempre me lembrar da loucura. Talvez sinta saudades, mas vou sempre agradecer pelo fato de poder fumar meus cigarros com tranquilidade, porque depois de um tempo ele me disse que tinha ódio dos meus cigarros e eu parei de fumar quando ia encontrar com ele.

Uma vez eu saí do trabalho às três da manhã e bati no portão da casa dele. Tirei a roupa ainda na garagem. No dia seguinte ele me olhou apaixonado e me pediu pra ficar...sorri, recolhi minhas roupas e disse "Tchau, até a próxima!"
Ele reclamou dizendo que eu o tratei feito uma puta. Talvez essa seja a vingança dele...e de certa forma é poética.

A gente nunca daria certo, e é por isso que eu o amo tanto.


Me desculpe por te torturar, obrigada por me fazer voltar a escrever.

Adeus, nos vemos em breve.

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